O fim do mundo: 14 anos depois
Foi uma manhã como outra qualquer: a rotina escolar, longe da televisão, do rádio e da internet, que na época engatinhava, me manteve isolada de um dos fatos mais marcantes da história da humanidade: o ataque terrorista ao Wold Trade Center em Nova Iorque.
No final da aula, as mães que vieram buscar seus alunos e as meninas da cozinha comentavam sobre uma explosão sem precedentes de dois aviões que destruiu os prédios americanos e um outro que caiu matando os passageiros.
A conversa era uma só: um avião seria um acidente, dois seria um atentado, três, então, poderia ser o início de uma terceira guerra mundial.
Só de falar em guerra mundial meu coração foi a mil, pensava em Hiroshima e Nagazaki, na bomba nuclear e no medo que dominava a geração anos 70 e 80, acostumados com a Guerra Fria entre URSS e os EUA. Nos meus pesadelos da infância os dois presidentes tinham um botão vermelho (por que vermelho?) que poderiam ser apertados a qualquer momento, fazendo com que todo o planeta fosse destruído.
Meu primeiro pensamento, repleto de egoísmo, em nenhum momento foi nas vítimas inocentes dessa loucura. Eu só tinha um pensamento em minha mente: o mundo não pode acabar agora! Justo agora que eu tinha uma filha? Assim não vale!
Minha menina tinha na época dois aninhos. Um anjo loiro de olhos azuis com um sorriso que amenizava toda minha solidão e desânimo. Trabalhava de manhã e estudava à tarde, ganhava pouco, pagava aluguel e contava, como ainda conto, com a maravilhosa ajuda de minha mãe para criá-la. Naqueles dias em que o presente era uma luta, como ainda é hoje, eu vislumbrava um futuro mais doce, imaginando minha menina crescendo em graça e sabedoria diante de todos.
A tarde, que na época foi de aula, foi agonizante, pois eu pensava em todos os desmembramentos possíveis para esse gesto desesperado do qual eu não sabia ainda quem seriam os responsáveis.
A noite veio a confirmação que o autor era o Ódio. Assim mesmo, com letra maiúscula. Companheiro do Mal e da Vingança eles fizeram, definitivamente, o mundo perder sua inocência. A origem disso tudo, quem diria, veio da mesma nação que acabou permitindo que seus filhos fossem as vítimas.
A princípio, eu só não entendia porque os aviões não atacaram diretamente a Casa Branca. Depois descobri que o espaço aéreo da residência oficial do presidente americano era praticamente impenetrável. Pensei então que já que o alvo era o sistema capitalista, poderiam ter atacado o Empire State. Como podem ver, eu poderia ter sido uma das consultoras dos terroristas, toda cheia de ideias.
Embora pensando em aprimorar os ataques, assisti, em choque, os noticiários noturnos, mostrando um mundo também assustado ver que nada mais era impossível para o Mal, e que estávamos todos a mercê da Morte.
Naquela noite, vendo meu anjo dormindo, chorei muito, com medo de que o fim do mundo estava começando. Temi não vê-la crescer, sonhar e lutar para realizar seus sonhos.
Hoje, 14 anos depois, o mundo continua inteiro (em partes) e meu anjo é uma linda moça, sonhando e lutando para realizar seus sonhos, que olho nesse momento, mergulhada no mundo virtual de um Smartphone e parecendo alheia ao Mal que ainda ronda nosso mundo.
Depois de mais uma década o Mal ainda tem poder, nesses dias depositando anjos nas areias brancas de uma praia e fazendo-nos lembrar que, mesmo depois de tantas tristezas, ainda não aprendemos a deixar de plantar sementes que se transformam em plantas venenosas. Ver a cena da criança sem vida na praia que abalou o mundo dias atrás me trouxe à memória o ataque às Torres Gêmeas. Ambas escancaram nossa inutilidade e nossa incompetência diante das desgraças da vida.
Quem dera pudéssemos afagar nossos anjos como fiz na noite do ataque, mais de duas décadas atrás. Quem dera aquele anjo da praia tivesse a chance de realizar seus sonhos, como vejo minha filha tentando realizar. Quem dera, depois desses anos, pudéssemos ter a certeza da derrota do Mal.
Infelizmente, passaram-se 14 anos, e ainda nos deparamos com o fim do mundo.
Maura Bastos
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